Opinión

O crescente padrão de responsabilidade exigido aos bancos

Antonio J. Navarro, Sócio de BROSETA e Diretor da área Bancária e Financeira

As sentenças dos nossos tribunais e, especialmente, a jurisprudência do Supremo Tribunal, têm aumentado paulatinamente o nível de diligência que se exige às entidades financeiras nas suas atividades quotidianas.

A quebra dos níveis de diligência exigidos às entidades financeiras faz com que as mesmas incorram em responsabilidade, não só para com os seus clientes, mas também para com terceiros. Esta tendência foi particularmente evidente nos anos de crise financeira, tendo sido frequentes as situações de perdas para alguma das partes em qualquer operação.

Para isso, os nossos tribunais partem, como não poderia deixar de ser, das leis e normas vigentes, mas não hesitam em aplicar e interpretar as mesmas a partir de um posicionamento de superproteção da parte não financeira, forçando até ao limite, ou ainda mais além, os critérios de interpretação das normas. Neste sentido, os tribunais parecem ter assumido um papel paliativo de tais consequências negativas, apostando no conceito de “justiça” (tal e qual como a entender cada juiz num caso concreto, mas que normalmente se identifica com aquilo que favorece a parte teoricamente mais frágil) em detrimento da “segurança jurídica”, o que pode ser uma finalidade louvável e bem-intencionada, mas pode esconder efeitos perversos em relação à confiança no nosso sistema jurídico e nos nossos tribunais, o que levará a que sejamos considerados, no âmbito internacional, como um país pouco confiável. Sem segurança jurídica, a justiça torna-se imprevisível e aleatória, o que é inadmissível numa economia tão aberta como a nossa.

Responsabilidade para com terceiros

Um bom exemplo disso são as recentes sentenças do Supremo Tribunal em relação à responsabilidade pelos montantes entregues por conta de operações de compra e venda de planos urbanizacionais, e os fundamentos jurídicos que o Supremo Tribunal utilizou para declarar as entidades financeiras como responsáveis pela devolução aos adquirentes, perante a insolvência e o incumprimento por parte do promotor da sua obrigação de entregar as moradias, mesmo que o dito adquirente nunca tenha recebido nenhum aval da entidade declarada responsável. Isto é importante porque se trata de uma responsabilidade das entidades financeiras face a um terceiro com o qual a entidade financeira pode não ter tido relação.

Lei 57/1968 regulava (até à sua recente revogação pela Lei 20/2015) os deveres do promotor que pretendia receber entregas por conta da entrega futura de uma moradia durante a sua construção. E, para tal fim, eram-lhe impostos basicamente dois deveres: garantir a devolução de tais montantes mediante um “contrato de seguro outorgado por uma entidade asseguradora” ou “por aval solidário prestado por Entidade inscrita… ou Caixa Económica”; e depositar os montantes recebidos numa conta especial aberta numa entidade financeira. Além disso, regulava o conteúdo mínimo do contrato de compra e venda de moradia e os direitos do comprador em caso de incumprimento da entrega da moradia no prazo estipulado. E, além disso, estabelecia a responsabilidade penal do promotor pelo incumprimento do estabelecido na referida lei.

A única referência nessa lei às obrigações das entidades financeiras consiste, em relação à conta especial, em que, “para a abertura dessas contas ou depósito, a Entidade bancária ou caixa Económica, sob sua responsabilidade, exigirá a garantia a que se refere a condição anterior”; ou seja, o contrato de seguro ou o aval solidário.

Impacto sobre as entidades financeiras?

É certo que dita norma não impõe nenhum outro dever às entidades financeiras para além de comprovar, “na abertura” da conta especial, que o promotor tem tais garantias estabelecidas. E que o sistema de proteção do comprador estabelecido na referida norma se baseia na imposição ao promotor edo dever de garantir tais montantes recebidos em conta e outorgar ao incumprimento do mesmo relevância penal; e, consequentemente, conceder ao comprador o direito de exigir do promotor a entrega de um seguro ou aval que lhe cubra o risco de o promotor não entregar a moradia nem devolver os montantes recebidos; risco evidente, dado que o comprador entrega dinheiro em troca de uma promessa de entrega futura.

Pois bem, perante as frequentes situações de incumprimento do promotor da sua obrigação de entregar a moradia e de devolver os montantes recebidos em conta, além do incumprimento, também do promotor, da obrigação de entregar um seguro ou aval ao adquirente como garantia da devolução de tais montantes, questiona-se se a entidade financeira poderá ser responsável perante o comprador.

Sem segurança jurídica, a justiça torna-se imprevisível e aleatória, o que é inadmissível numa economia tão aberta como a nossa

Curiosamente, os nossos tribunais não fazem nenhuma referência ao facto de o comprador não exigir do promotor a entrega de tal aval, estando legitimado para isso em qualquer momento, e se essa negligência do comprador no exercício dos seus direitos afeta ou não a responsabilidade que possa ser imputada à entidade financeira.

Perspetiva hiperprotecionista

No entanto, o Supremo Tribunal deleitou-nos a todos com fundamentos jurídicos surpreendentes ao decidir nestes casos a partir de uma perspetiva hiperprotecionista do comprador, nos quais se combina a figura do promotor avarento (pois, normalmente não entregava aval para evitar o custo do mesmo) e o comprador negligente (que entrega o seu dinheiro sem exigir nenhuma garantia a que tem direito), e nos quais todos os olhares se voltam, quanto tudo se torna negativo, contra a entidade financeira como responsável final do prejuízo.

Como exemplo, o Supremo Tribunal sustentou que um seguro de garantia com o qual uma entidade financeira se compromete, sob determinadas circunstâncias, a outorgar no futuro avais em garantia das obrigações do promotor, a requerimento do mesmo, constitui “um seguro coletivo” dos compradores, o que resulta num fundamento para a história do nosso Direito, na qual se confunde a figura da linha de avais ou a linha de contragarantia e a figura do seguro de crédito, e através da qual se impõe à entidade financeira uma responsabilidade ilimitada.

E, numa linha doutrinária mais atual, o nosso Supremo Tribunal considera responsável qualquer entidade financeira que receba os fundos entregues ao promotor pelos compradores, ainda que não tenha outorgado nenhum instrumento de aval aos compradores e, portanto, nunca tenha estado dentro do âmbito da aplicação da Lei 57/1968, porque a entidade financeira “era obrigada a velar pelo cumprimento da legalidade vigente”; ou seja, qualquer entidade financeira que trabalhe com um promotor teria a obrigação de detetar que o mesmo está a receber entregas em conta de compradores de moradias e, nesse caso, deveria exigir que o promotor adjudicasse a emissão de um aval, protegendo dessa forma a posição do comprador (a qual o próprio comprador não mostrou interesse em proteger).

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