Nuno Ribeiro da Silva, Presidente da Endesa Portugal, falou com a APD Portugal, sobre a descida histórica nos preços do petróleo e as suas implicações.
Em termos especificamente políticos:
A necessidade de afirmação da nova liderança saudita que, com grande coragem (incómodo interno) decidiu dar início à privatização do monopólio estatal do petróleo, Saudi Aramco.
A empresa tem sido a mais prejudicada pela política de cortes na produção, iniciada e acordada com a Rússia, desde 2016 (OPEC+).
A defesa do preço, por via da redução da oferta, foi desigualmente repartida entre os exportadores, tendo reduzido e desvalorizado a quota e o valor da Saudi Aramco.
O alinhamento da Rússia com o Irão e, em geral com a ala xíita, inimigos diretos dos sauditas, reforça a pressão para o reino fazer frente à estratégia seguida nos últimos 4 anos, que beneficiou a quota de mercado e o volume de receitas da Rússia e das suas empresas de petróleo e gás.
No plano técnico económico, os custos de extração saudita são os mais competitivos, com custos industriais na ordem de 1/5 dos russos e dos EUA, mas também, do Brasil e outros países da Ásia e África.
Suportar as cotações elevadas no mercado, à custa de conter a produção de barris sauditas mais baratos, tem permitido a outros produtores menos competitivos, reforçarem a sua quota, reduzindo o peso da Árábia Saudita no mercado mundial.
Trata-se de uma equação clássica, lutar pelo preço “justo”, ou pela quota justa, que já levou a guerras de preços em outras ocasiões, a última das quais, em 2014 quando os saudidas inundaram o mercado de petróleo, levando aos acordos OPEP+(Rússia) em 2016.
Acontece que, nos dias de hoje, os EUA emergem como o primeiro produtor mundial, a Rússia o segundo e o “banco mundial do petróleo”, os sauditas, são apenas o terceiro…
Para além da Rússia e outros protagonistas menos relevantes, os grandes vencedores foram os EUA, que conseguiram desenvolver uma mastodôntica indústria de petróleo e gás não convencional (xisto e outros), apenas economicamente sustentável com preços “artificialmente” elevados.
Por estes motivos político-económicos, os sauditas decidiram que havia chegado o momento de não continuarem a conciliar/ceder.
Durante um período, relativamente curto, o preço pode cair abaixo dos 15 US.
Acontece que a pandemia, surpreendentemente, introduziu uma nova variável no sistema de equações. Um parâmetro novo e de extraordinário impacto, face ao desconhecimento da profundidade e extensão da quebra no consumo.
As dificuldades de entendimento que já se vinham fazendo sentir dentro da OPEP e na relação com os russos, há vários meses – e que já haviam levado a arábia saudita a decidir enfrentar as consequências de uma rutura – “saltou para o terreno” neste quadro da pandemia!
Acontece que, nenhum “Petro-Estado” está em condições de aguentar preços tão baixos. Uma quebra tão radical de receita, mesmo o rico estado saudita necessita do barril a 80 usd para não colocar em causa subsídios aos nacionais, o esforço militar e as despesas com o Islão, em particular, a defesa do sunismo.
O “shale” americano, ou os dispendiosos projetos russos também se tornam inviáveis. Assim, alguém vai ter de ceder, algum “entendimento” terá de emergir no curto prazo. Seis meses? Um ano? A crise da procura não ajuda a…distribuir as perdas!
Os Países fortemente dependentes das receitas do petróleo, caso de Angola, Venezuela, Nigéria, Brasil, etc, com custos de produção elevados – offshore e deep offshore – vão viver tempos péssimos.
Vão perder quota, ficam sem dinheiro para a manutenção e investimento na infraestrutura petrolífera – o que provoca quebras na produção – e o estado perde receitas para os seus cofres. Ficarão com maior dificuldade de financiamento, maior risco e custo mais elevado da dívida.
O mecanismo de repercussão nos preços de venda ao público, decorrente das diferentes variáveis que o influenciam, está regulamentado.
Assim, caso não ocorra alguma alteração na legislação em vigor – contando com os ajustes decorrentes da entrada em vigor da lei de execução orçamental lo reflexo em Portugal, neste particular, será positivo, quer na balança comercial, quer no preço ao consumidor.
Não esqueçamos que, o que paga o consumidor inclui vários parâmetros, nomeadamente mais de 50% em impostos, pelo que, uma redução no preço de uma das parcelas – o da matéria prima-, tem uma repercussão proporcional no preço.
Por exemplo, uma queda de 50% no barril tem um reflexo menor considerando as outras parcelas fixas- de cerca de 15% no que paga o consumidor.
Ninguém sabe! Depende do tempo de duração e da “profundidade” da crise pandémica Covid 19.
Quanto à queda do preço do petróleo, o saldo para a economia nacional será positivo, mesmo se parceiros comerciais e políticos relevantes, como Angola ou, por outras razões, a Venezuela, Brasil ou Moçambique, já com economias fragilizadas vierem a reduzir importações.