No coração do Porto encontramos o Euskalduna Studio, visão do Chef Vasco Coelho Santos. Fomos conhecer o projeto, por diversas vezes premiado, e saber como se supera a crise pandémica na alta cozinha.
Foi desastroso. Estávamos com dois meses de antecedência de reservas, e deparámo-nos com o cancelamento de reservas. Tivemos de nos adaptar. O primeiro mês foi duro porque não havia uma data em concreto para a retoma. Parar a máquina de dois restaurantes é ingrato, contudo teve de ser feito pelo bem comum. Sofri emocionalmente. Sentimo-nos impotentes perante o futuro, quer do restaurante quer do nosso staff, até porque não existiam ainda muitas abordagens sobre os apoios do governo. Houve várias fases da pandemia. A primeira foi o pânico. Uma coisa é reduzir muito a facturação, outra é ficar a zero. Foi um colapso grande.
Mantive os funcionários em casa mas comecei a cozinhar para os sem-abrigo. Fizemos missões, inclusivamente com algumas marcas que nos apoiaram, e depois começámos a cozinhar para o Hospital de S. João, o que foi muito gratificante. O feedback motiva-nos e a solidariedade é uma boa forma de passar o tempo, e inclusivamente juntámos amigos para cozinhar. Ao todo foram cem dias de encerramento, mas o tempo que estive com os meus filhos foi um ponto positivo. Foi, contudo, desgastante. Reabrimos dia 22 de junho e começo a ver alguma luz ao fundo do túnel. As coisas ainda estão lentas porque tivemos de nos adaptar ao público local. Recebíamos turistas e locais em proporção e por isso estamos agora a entrar numa nova fase de adaptação e transição. A solidariedade será com certeza para manter. Foi incrível, porque nos motiva a ajudar, o que é maravilhoso. A quantidade de pessoas que se unem e interligam para ajudar o próximo é incrível.
É um estúdio bastante pequeno. O nome significa vasco em língua basca – “basco” em língua basca – e é portanto um trocadilho. O Euskalduna é uma pessoa basca. Neste caso, o estúdio do Vasco, embora não tenha nada de comida basca, nem de japonesa. O conceito foi contudo muito inspirado no Japão. Adoro o país, a cultura japonesa, e o balcão sempre me suscitou imensa curiosidade. Juntamente com o meu sous chef e duas outras pessoas da área de design, parti para o Japão e durante três meses andámos de cidade em cidade à procura de restaurantes omakase onde as pessoas comem a um balcão, que é no fundo a casa do chef e proporciona um ambiente muito intimista. Foi essa a inspiração. As pessoas procuram este pequenino lugar porque parece que estão noutra cidade. Metade dos clientes prefere estar ao balcão, onde toda a experiência acontece à sua frente. Em grupo já preferem a mesa. É um espaço versátil, dá para ambas as preferências. Oferecemos jantares apenas, onde o menu é decidido de forma diária e consoante quem nos vem visitar. Desta forma, quem volta experimenta um menu diferente, adaptado não só ao cliente, consoante por exemplo a quantidade de vezes que nos visitou, mas também à sazonalidade dos produtos. É tudo muito personalizado.
Não fazemos cozinha tradicional, em contrapartida inspiramo-nos muito em receituário contudo integramos sempre o nosso cunho pessoal. Utilizamos 100% produto português, seja dos Açores, da Madeira, do Algarve ou do Alentejo, tudo é português. Antes da pandemia, no nosso último menu, tínhamos um prato inspirado nas bifanas. Hoje temos um prato inspirado nos rojões. Retiramos inspiração de certos pratos, ou certos sabores. Um estrangeiro ou um português pode até ter recordações da infância por causa de um molho! Isto porque cozinhamos muito como a minha avó cozinhava, muito de tacho, não há grande uso de técnicas avançadas. Queremos muito mais voltar a uma cozinha de infância, de memória. Muitos pratos trazem lembranças e, para os estrangeiros, certos pratos tradicionais podem ser apresentados de uma outra forma.
É maravilhoso poder voltar a cozinhar para as pessoas, porque é isso que nos motiva. Apesar de fazermos muita mise en place durante o dia, o nosso dia começa realmente às 19 horas quando começamos a receber clientes. Os nossos clientes não vêm só para comer. Como há muita ligação com a cozinha há também afecto e experiência trocadas entre nós e quem nos
visita. O confinamento trouxe tantos problemas que de certa forma também nos bloqueou. Há sempre vontade e cozinhei muito em casa, mas nunca numa perspectiva do que vou fazer no restaurante. Só quando estou aqui [no restaurante], com a minha equipa, é que nos conseguimos focar. E na verdade não precisamos de dias e dias para criar pratos novos.
Gostamos muito do dia-a-dia para irmos trabalhando. O confinamento proporcionou tempo para pensar. O mais importante é estruturar bem para o que aí vem, como por exemplo menos clientes. Foram cem dias sem facturar e, neste momento, trabalhamos a meio-gás porque não há turismo e por outro lado os portugueses ainda estão muito por casa. Teremos de nos adaptar aos custos, que se mantêm, e à receita que por outro lado não será a mesma. Digo estruturar não no sentido de ser rentável, mas sim passível de ser mantido. Há muitos projectos com que queremos avançar mas teremos de repensá-los. Tínhamos algumas ideias mas primeiro queremos que os restaurantes fiquem saudáveis novamente. É por isso preferível preparar bem e essencialmente aproveitar o verão para nos prepararmos para o que ainda aí vem.
Vasco Coelho Santos | Chef Euskalduna Studio #PARARparaCRESCER
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