A APD Portugal esteve à conversa com o presidente da APDL — Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, Nuno Araújo, sobre a obra de expansão do Porto de Leixões. Nesta entrevista, o dirigente relembrou as maiores vantagens do investimento, que se resume ao alargamento do quebra-mar e acessibilidade marítimas e à criação de um novo terminal de contentores.
Segundo Nuno Araújo, esta é uma obra que “tinha que acontecer” e que vai garantir uma maior segurança aos navios que atracam e escalam no Porto de Leixões. Além disso, permite que os navios de maior dimensão, que são cada vez mais, e que hoje não têm condições de aceder ao porto, possam entrar.
Quanto aos impactos ambientais, o presidente da APDL garante que toda a polémica gerada pelo projeto de expansão é exagerada. Garante que os estudos desenvolvidos até agora são favoráveis e que as medidas de mitigação já estão a ser trabalhadas, para compensar os negócios da região que poderão ser afetados.
Atualmente, o Porto de Leixões é responsável por 11% do PIB da região norte e 6% do PIB nacional. Representa 20% do comércio externo marítimo, fazendo ligação com 180 países. É o segundo maior porto nacional em termos de tráfego de mercadorias, com um movimento anual de cerca de 19,5 milhões de toneladas, um movimento anual de carga contentorizada superior a 685 mil TEUs e um movimento anual de carga Ro-Ro superior a 1,3 milhões de toneladas — constituindo-se como o maior porto nacional neste segmento de mercado.
A APDL tem três grandes infraestruturas que têm objetivos diferentes, atendendo às suas especificidades: o Porto de Viana do Castelo, o Porto de Leixões e a via navegável do Douro. Se falarmos em carga, o Porto de Leixões representa cerca de 19 milhões de toneladas, mas se traduzirmos a importância destas empresas para a região, ou para o país, e não quisermos falar só sobre carga, podemos falar de passageiros. O Douro não transporta muita carga, mas transporta muitos turistas. No ano de 2019, antes da pandemia, movimentamos cerca de 1 milhão e meio de passageiros.
O Porto de Viana do Castelo, apesar de não ter muita movimentação de carga, tem sido o embrião para que muitas empresas associadas à produção de energia verde possam, mais tarde, exportar tecnologia e desenvolver novas tecnologias de produção de energia verde que terão muito impacto na nossa atividade marítima, como por exemplo o hidrogénio verde.
No que diz respeito ao Porto de Leixões, temos em curso a maior obra marítima do século. Estamos a investir cerca de 150 milhões de euros no prolongamento do quebra-mar e na dragagem da bacia de rotação do canal de acesso ao porto de Leixões, porque este porto tem limites, ao contrário do de Sines, algo que tem a ver com a nossa infraestrutura física e com o nosso calado. Esses limites acabam por condicionar a forma como os armadores e as empresas escolhem os portos. O custo do frete e do transporte do contentor podem ser afetados em função do navio que atraca ou escala no Porto de Leixões.
O que acontece é que o mercado tem ditado regras sobre as quais não temos poder: os navios cada vez são maiores. Como estes navios são mais eficientes, baixam os custos por tonelada transportada e isso beneficia as empresas; ao mesmo tempo, também são mais eficientes em termos ambientais e essa é uma das maiores preocupações atuais do Porto de Leixões.
Atualmente, trabalhamos acima da nossa capacidade, o que faz com que percamos eficiência nas nossas operações. Se recuarmos no tempo, o Porto de Leixões podia receber cerca de 70% da frota mundial. Hoje isso não acontece, pouco mais de 40% dos navios que navegam no mundo podem entrar aqui.
Esta obra resulta de um estudo que começou a ser desenvolvido há uma década. O Porto de Leixões poderá vir a receber navios com cerca de 300 metros de comprimento, com 5 mil a 6 mil TEU de capacidade de carga. Isto vai permitir recuperar uma fasquia que já tínhamos no passado e que queremos voltar a ter – 70% da frota mundial.
Também temos investido muito no rio Douro e temos estudado outras dimensões, nomeadamente o transporte de mercadorias. Há um projeto nas minas de Moncorvo que pretende exportar pela via navegável do rio Douro, uma alternativa mais favorável do que o camião ou a ferrovia, que hoje só representa 50 mil toneladas de carga e pode, a curto ou médio prazo, vir a permitir um salto significativo no nosso volume de negócios e na carga movimentada. Se o peso da logística no preço de um produto for muito significativo, isso pode ditar onde uma empresa se fixa ou para onde se deslocaliza.
O Porto de Leixões é o porto mais importante do país devido à relação direta que tem com a indústria. Importamos matéria-prima e exportamos o produto final. Além disso, temos ligações quase diárias ao centro da Europa, nomeadamente com o serviço Ro-Ro (roll on, roll off) que, no fundo, possibilita que os trailers entrem dentro dos navios, cheguem a Leixões e sigam para o destino final, com ganhos ambientais e de eficiência significativos.
O quebra-mar dá resposta a dois desafios, um deles é a segurança dos navios que já escalam o porto de Leixões. Em algumas situações, temos taxas de indisponibilidade maiores do que o desejável e recusamos a entrada de navios porque não temos condições de os fazer entrar. Depois há a dimensão comercial, temos armadores de empresas que escalam Leixões com navios mais pequenos e que lançam desafios permanentes à APDL, com navios de maiores que não conseguimos receber em segurança e cuja entrada temos que recusar.
Este prolongamento do quebra-mar vai dar mais segurança a quem já escala Leixões e vai permitir a entrada de navios de maior dimensão que querem escalar aqui. Estes investimentos não são um capricho, são uma resposta à indústria. Representam emprego, fixação das empresas e a competitividade do nosso país, porque o porto de Leixões é um gateway, privilegiado pela ligação, sobretudo, à Europa.
Fala-se muito da reindustrialização, pois eu diria que ter uma infraestrutura destas ao lado de um aeroporto, com as acessibilidades rodoviárias que temos, é ter do melhor que há no mundo. Estes são alguns dos factores que fazem da região norte uma das mais competitivas para as empresas que se queiram cá instalar.
A Europa está rodeada de portos, portanto, nós competimos. Há uma rede core, definida pela Europa, que o Porto de Leixões integra e isso faz com que determinado tipo de investimentos sejam comparticipados, nomeadamente este projeto do quebra-mar, o que não significa que não tenhamos algum nível de concorrência. Olhamos para aquilo que Espanha está a fazer e, mesmo a nível nacional, competimos.
O facto de sermos um país periférico nunca foi, propriamente, uma desvantagem, muito pelo contrário. Esta frente atlântica representa uma grande vantagem competitiva e basta vermos o que acontece em Sines. Recebe navios intercontinentais e acaba por ser um grande hub. Em relação ao Porto de Leixões, a ligação quase diária que temos ao centro da Europa cria uma ponte marítima comercial que permite que qualquer empresa da nossa região possa fazer um intercâmbio de produtos e matérias com relativa facilidade. Mas queremos ir mais longe.
O Porto de Leixões, num terceiro nível, vai até Madrid, e estamos focados na melhoria desse serviço. Para concretizar isso, queremos investir na ferrovia. Apostar no terminal vai permitir duplicar a capacidade da nossa infraestrutura, gerar ganhos ambientais, diminuir a pegada carbónica e efetivar a transição energética. Num porto em que entram 1500 camiões todos os dias, com tendência para aumentar, temos todas as condições para elevar o nível de competitividade. Também estamos a apostar no porto seco da Guarda, que irá replicar o que aqui temos mas sem o plano de água, portanto, será mais barato, mais eficiente para as empresas e com ganhos consideráveis para a cadeia logística e para a indústria.
Complementarmente olhamos para outras localizações, como Medina del Campo. Se tivermos um porto seco ou um terminal ferroviário lá, possivelmente, poderemos ir de buscar carga onde nunca fomos antes, de forma sustentável. Estamos muito bem posicionados para responder às necessidades daquela região, mas é preciso criar o serviço e, antes disso, criar as infraestruturas. Tudo demora o seu tempo, mas estamos a trabalhar neste projeto e a analisar como é que o mercado pode responder, enquanto procuramos parceiros que possam fortalecer a nossa capacidade de resposta a Espanha, que é, ainda hoje, o nosso principal parceiro comercial.
Os projetos foram avaliados em conjunto e fizemos uma avaliação estratégica ambiental que engloba todos os investimentos que a APDL tem em curso. A desinformação ajuda a criar alguma confusão. Não há nenhum estudo mais completo do que o estudo de impacto ambiental que foi feito para esta obra. Envolve técnicos e especialistas, de diversas áreas, que vão analisar a nossa proposta de estudo ambiental e as medidas de mitigação e compensação.
A questão [que a Quercus levantou] teve a ver, sobretudo, com o terminal e o porquê de não ter avançado em simultâneo, mas houve uma razão óbvia para isso: o layout ainda nem estava definido. A dragagem estava, o quebra-mar também, mas o layout do terminal estava a ser negociado, nomeadamente por causa da pesca. Só depois dessa negociação é que pudemos avançar para o estudo de impacto ambiental, que foi igualmente favorável.
A nossa atividade é altamente escrutinada. Mesmo ao nível das dragagens, nós temos que analisar a qualidade dos sedimentos, que determina onde é que estes serão depositados. Na grande maioria das vezes, tem qualidade balnear e nós despejamos para alimentar as praias de forma artificial, que é aquilo que já fazemos desde há muitos anos com as praias de Matosinhos e do Porto, que são modeladas e alimentadas pela APDL para que continuem a ter areal.
Portanto, acho que não há nenhuma razão de preocupação para a Quercus e, sobretudo, para a população, que está devidamente informada. A APDL vai a todos os fóruns explicar exactamente o que está a fazer e responde a todo o tipo de perguntas com documentação, exatamente para que não subsistam nenhum tipo de dúvidas associadas a uma obra que queremos que seja transparente.
Somos o único porto que aderiu à ONU, nomeadamente por força das questões relacionadas com o impacto ambiental. Assumimos um compromisso com a ONU e estamos a trabalhar em várias frentes, preocupados com o impacto que temos. E claro que há um impacto, mas o aeroporto também o tem e ninguém está a pedir para que se feche o aeroporto. O segredo é usar combustíveis mais verdes, que emitam menos carbono.
O Porto de Leixões foi o primeiro porto do país a desenhar um roadmap para a transição energética e para a descarbonização. Mais do que desenhar um conjunto de medidas para mitigar o nosso impacto ambiental, a APDL antecipou em 15 anos a meta para a neutralidade carbónica. A meta nacional é 2050, a da APDL é 2035. E para atingir essa meta é preciso esforço, porque uma parte significativa destas emissões não têm nada a ver com os nossos equipamentos ou com o nosso edifício, mas sim com a parte marítima e com os navios que atracam aqui, que corresponde a 76% dessas emissões. E é preciso, junto dos armadores também, mudar esse paradigma, e a APDL está a fazer esse trabalho.
Entretanto, a APDL comprou o primeiro camião elétrico, que está a trabalhar dentro do Porto de Leixões. Fizemo-lo para mostrar ao setor, que está muito interessado nas novas tecnologias, se esta é uma solução que permite responder às nossas necessidades. Se assim for, iremos substituir a nossa frota inteira por camiões elétricos.
Outra das nossas iniciativas, e que vai permitir reduzir em 50% as emissões associadas ao transporte rodoviário, tem a ver com a nova imposição de apenas entrarem camiões Euro 5 e Euro 6 no Porto de Leixões, que são mais recentes e modernos. Abaixo disso têm todos um prazo de dois anos para deixarem de entrar cá. Mas também existe a questão da ferrovia, porque não conheço uma melhor forma para movimentar carga com responsabilidade ambiental. Queremos aumentar gradualmente a quantidade de mercadorias que transportamos por essa via.
Estas obras podem mudar um pouco o paradigma, mas acho que não terá esse impacto que querem fazer parecer. Algum impacto haverá por uma razão óbvia: o quebra-mar tem o objetivo de quebrar o mar, o que implica diminuir a onda. Os estudos apontam para uma redução da onda em cerca de 30%, mas há momentos em que se pode ali surfar e os miúdos das escolas poderão continuar a sua atividade. Os mais experientes vão ter que, necessariamente, procurar outras zonas.
A praia, para quem vai só para fazer praia ou para outro tipo de desportos, continuará a dar a resposta que sempre deu, por ventura até melhor. Para as empresas, estamos a tentar fazer com que possam usar praias aqui nas imediações, diversificar o negócio e procurar outras áreas que, com aquelas condições marítimas que ali teremos, sejam praticáveis.
A disposição da APDL junto desses clubes e associações é apoiá-las, para que estas possam diversificar o tipo de oferta de desportos associados às ondas. Os desportos de ondas não são apenas surf. Aliás, até é uma obrigação nossa, em parte, imposta pela Avaliação de Impacto Ambiental, que diz que temos que medir a onda. Neste momento já estamos a fazê-lo e vamos continuar a medir a onda após a obra terminar. Depois, temos a necessidade de fazer um estudo socioeconómico nesta região para perceber qual é, de facto, o impacto. Esse relatório, que é feito por uma entidade independente, irá ditar quais são as medidas de mitigação e como é que vamos compensar o setor.
Não queremos prejudicar ninguém, mas esta obra tinha que acontecer. Há empresas ali, há pessoas que dependem daquilo. Há uma imagem, um modo de vivência que foi criado e a nós importa-nos preservar isso. É nisso que iremos trabalhar, criando outro tipo de condições para que as pessoas continuem a usufruir do espaço, que continue a ser valorizado como é agora. E eu acredito mesmo que, apesar de toda a polémica em torno da obra, devemos aguardar pela sua conclusão para perceber que o impacto não será tanto quanto alguns apregoam e que poderemos ter a mesma qualidade de vida que temos hoje em toda aquela zona marítima.
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