Artículo

Fiscalidade Verde: a incidência fiscal sobre a Energia

Num momento em que se pretende promover a eletrificação dos consumos, forma mais direta para a descarbonização, impõe-se rever toda a fiscalidade que incide sobre o setor energético. É sabido que a energia é alvo de múltiplos impostos e taxas, quer por parte do governo central, quer por parte das autarquias. O fator que mais pesa na fatura energética é o resultado de anos de acumulação de impostos e taxas lançados por vários governos.

Tendo em conta que muitos destes encargos são inclusivamente contrários aos sinais que se pretende dar aos agentes económicos, de acordo com as políticas traçadas no seguimento da transição energética, a Deloitte desenvolveu um estudo, a pedido da APREN, sobre fiscalidade verde, realizado em 2019 e apresentado em maio de 2021. Da análise subsequente da APREN resultaram recomendações ao governo.

A APD organizou uma Conferência para discutir e analisar os temas da fiscalidade verde, por meio do conhecimento de representantes e dirigentes de empresas do setor energético, bem como de especialistas da área fiscal. O encontro aconteceu na tarde do dia 02 de dezembro, nas instalações da NERLEI – Associação Empresarial da Região de Leiria. O primeiro painel de debate focou-se no estudo desenvolvido entre a Deloitte e a APREN, com o objetivo de esclarecer o quadro atual da fiscalidade em linha com a reforma fiscal que Bruxelas está a promover.

A fiscalidade aplicada sobre a energia

Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa Portugal, começou por esclarecer a audiência sobre o facto do Ministério das Finanças não trabalhar numa lógica favorável ao bom senso quando chega a hora de aplicar taxas. É por isso que a fiscalidade parece não estar em linha com a política setorial, uma vez que o objetivo dos mandatos é “ir buscar mais dinheiro”, independentemente do método usado para se cumprir essa demanda.

Tem que haver um uso da política fiscal como sendo um catalisador dos objetivos das políticas setoriais, aproveitando para penalizar e dar um sinal de desinteresse por práticas que queremos mudar.”

fiscalidade verde

Assumindo a consciência de que este processo da transição energética é uma autêntica revolução, sem precedentes, o representante da Endesa assumiu que o panorama é, hoje, mais favorável do que alguma vez foi. Os aspetos geoestratégicos, tecnológicos, passando pelos reguladores e pela postura política e civil sobre os temas da energia, são completamente diferentes do que eram antes. E se, até agora, Portugal sempre esteve numa situação de absoluta passividade, hoje, graças à tecnologia e às mudanças políticas e culturais, o nosso país tem a oportunidade de ser ativo e influente.

Além disso, a mudança de paradigma vigente, em termos nacionais, é uma “graça”. Ribeiro da Silva relembrou que, desde que a energia começou a ser usada de forma intensiva, Portugal sempre dependeu da importação de combustíveis fósseis. Ao substituir-se o petróleo, o gás natural e o carvão por fontes endógenas, vai quebrar-se uma das maiores vulnerabilidades do país. E o mesmo cenário se aplica aos equipamentos, porque aqueles que estão a ser adotados atualmente estão perfeitamente à dimensão de economias como a portuguesa.

Mesmo assim, a complexidade do processo da transição energética vai exigir uma colossal transformação, que subentende a necessidade de alguns apoios. Substituir uma infraestrutura que foi constituída durante mais de cem anos representa um tremendo desafio. Mas o trajeto está a ser feito, segundo a visão de Nuno Ribeiro da Silva, que acredita que o esforço por parte das empresas institucionais para mudar o quadro do leque de tecnologias que geram eletricidade é notório.

Num caminho que começou há 15-20 anos, com o início da implementação das renováveis e da substituição de centrais a derivados de petróleo por centrais mais eficientes, a gás natural, atualmente as centrais a carvão estão a ser encerradas (e fala-se em encerrar as de ciclo combinado também). Esses são passos que constam nos programas de investimento da Endesa, mas verificam-se também em empresas como a EDP e a Iberdrola.

O setor energético está sobrecarregado pelo Governo

Sobre a “perversidade” da fiscalidade energética, como a caracteriza Ribeiro da Silva, há alguns exemplos a assinalar. No que toca às medidas de apoio do Governo para combater a chamada pobreza energética, a decisão de atribuir uma tarifa bonificada (33%) está a ser paga pelas companhias elétricas. “São 170 milhões de euros”. Para o representante da Endesa, essa á uma medida de política social, que deve ser da responsabilidade do Ministério do Trabalho e da Solidariedade.

Além disso, há o exemplo das regiões autónomas, que, por razões de natureza técnica, têm custos de geração de eletricidade mais elevados que o continente. Mesmo que se considere que é dinheiro bem gasto aquele que garante uma uniformidade de preços da energia entre as ilhas e o continente, para Ribeiro da Silva essa é uma garantia que deve ser assegurada pelas políticas de desenvolvimento regional e que não deve ser paga na fatura elétrica.

Há toda uma série de encargos que são decorrentes de políticas de solidariedade social e de igualdade territorial, que caem sobre os custos do setor energético, em particular do setor elétrico.”

O presidente da Endesa Portugal não quis deixar de criticar, também, a forma como os programas de combate à pobreza energética são desenvolvidos. Atualmente, essas ações limitam-se à subsidiação da tarifa aos agregados que estão nessa condição. Na visão de Ribeiro da Silva, as pessoas deveriam ser informadas sobre as condições energéticas das suas casas e perceber como estas podem ser melhoradas em termos de conforto térmico e de qualidade de vida. A ação do governo passaria por, subsequentemente, fazer uma proposta de melhoria que garantisse maior eficiência energética. Assim, esse apoio iria desencadear uma intervenção estrutural, realmente capaz de fazer a diferença na vida das populações.

Reduzir as emissões é fundamental

Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN, insistiu na ideia de que a eletrificação que existe, hoje, em Portugal, e que representa 22% do consumo final de energia, vai ser muito maior no futuro. Perante as demandas europeias e as necessidades ambientais, mais do que evidentes, a incorporação da mobilidade elétrica e do consumo elétrico nos eletrodomésticos são certezas. E, fruto dessa crescente adoção das renováveis, o preço da eletricidade vai diminuir. Como explicou o especialista, a eletricidade tem sempre tendência a ser mais barata do que qualquer alternativa energética no espaço ibérico. O equipamento pode ser mais caro, mas a energia utilizada para o operar é substancialmente mais barata.

No fim, a eletricidade vai passar a ser a opção mais barata, quer do ponto de vista da incidência fiscal, quer do ponto de vista da sua obtenção.”

Amaral Jorge assinalou que o estudo da Deloitte, feito em parceria com a APREN, tenta demonstrar que a eletrificação, a par dos incentivos certos para reduzir as emissões de gases com efeito estufa, vai continuar a garantir que o setor energético faz as contribuições necessárias para o Estado. Mas para que o processo seja sustentável, e para que os consumidores rumem aos objetivos certos, terão que existir benefícios fiscais, aplicáveis à matriz de IRS das pessoas.

Sem incentivos, dados às famílias e às empresas, as metas para a neutralidade carbónica de 2050 não poderão ser asseguradas. E é fundamental que a comunidade faça esta migração sem que o seu orçamento seja excessivamente penalizado, com fontes de financiamento como é o caso do Plano de Recuperação e Resiliência (ou outras que a Europa terá que disponibilizar).

Portugal pode ser, efetivamente, o Qatar das renováveis na Europa.”

Já sobre o impacto da transição na dinâmica do nosso país, o presidente da APREN concorda com Ribeiro da Silva. Esta é uma mudança que encaixa perfeitamente com os recursos energéticos portugueses, que existem no território de maneira privilegiada quando em comparação com a maioria dos restantes países europeus. Portanto, criou-se uma oportunidade sem precedentes de colocar Portugal na rota energética enquanto exportador, retirando-lhe totalmente o papel de importador que sempre manteve até agora.

Além da possibilidade de controlar os preços, um outro estudo feito entre a APREN e a Deloitte aprofundou quais seriam os impactos da eletricidade no mercado português e encontrou mais vantagens, além das óbvias. Em 2030, Portugal irá gerar entre 160 a 180 mil empregos, distribuídos pelo país, e a possibilidade de ter quase 12 mil milhões de euros de contribuição para o PIB, entre muitos outros fatores. Trata-se de uma colossal oportunidade de crescimento para o país.

A fiscalidade como ferramenta de apoio à mudança

Em Portugal, o gasóleo continua a ter, hoje, uma pressão tributária menor que a gasolina, do ponto de vista da fiscalidade. A mudança de paradigma que a transição energética exige, segundo a visão de Paulo Gaspar, partner da Deloitte e especialista da área fiscal, que se invertam completamente estes modelos. O gasóleo deve ser penalizado, de maneira a empurrar a eletrificação. Já no caso do incremento da penalizações dos equipamentos menos eficientes, isso pode ser feito via fiscalidade. É preciso penalizar os equipamentos menos eficientes para que exista uma neutralidade, em termos de preços, entre esses e os mais eficientes.

fiscalidade

Para Paulo Gaspar, ninguém pode esperar que um agregado familiar de classe média baixa, sem incentivos, vá fazer obras em casa para incrementar a eficiência energética no domicílio. Portanto, quando o estudo da Deloitte sobre fiscalidade verde sugere apoios por meio de deduções de IRS, a eliminação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) e a alteração da taxa de contribuição para o audiovisual, o objetivo é que tudo isso seja compensado pela maior penalização fiscal das opções e dos equipamentos que desviam o consumidor da rota da descarbonização.

É preciso que as pessoas paguem mais pelo gasóleo, pelo saco de plástico nos supermercados e pelas embalagens de take-away dos restaurantes.”

No caso da indústria, Gaspar considerou que os incentivos ao reequipamento e à eletrificação passarão muito por subsídios diretos, ou seja, reduções de custos. E a fiscalidade tem, claramente, um papel a desempenhar, sendo que, por si só, nunca será um verdadeiro fator de transformação, mas antes uma ferramenta de auxílio ao cumprimento das agendas nacionais e europeias.

Como mitigar o custo da energia na atividade empresarial

Quando as empresas suportam preços da energia que lhes retiram competitividade, é fundamental que, face à exigência de procederem a ajustamentos na forma como a consomem, tenham a iniciativa de discutir opções que mitiguem o preço deste bem com o governo. No segundo painel da tarde, os especialistas reuniram-se com o objetivo de perceber qual o papel das empresas neste contexto e como poderão, junto dos decisores das entidades reguladoras e governamentais, fomentar um diálogo de conciliação que permita que o país prospere durante a transição energética.

O biogás nas redes de gás natural

Paulo Ferreira, administrador da PRF Gas Solutions, chamou ao hidrogénio “o tema da moda”. Reconhecendo-o, a par do processo de eletrificação, como um passo necessário e útil para a transição energética, Paulo Ferreira lamentou o facto do biogás, que é um gás renovável como o hidrogénio e as energias solar, hídrica e eólica, não receber a atenção mediática que merece neste contexto. Assegurou que existem imensos projetos, a nível mundial e europeu, de produção de biogás para injetar nas redes de gás natural. Em Portugal,  isso ainda não aconteceu.

A nível nacional, já se produzem volumes importantes de biogás em quase todos os aterros. Mas se, por agora, os projetos existentes se focam na produção de biogás para produção de energia elétrica, a PRF acredita que irão transitar para um modelo de produção com vista à injeção na rede de gás natural. Com isto, como explicou Ferreira, o país irá descarbonizar a sua rede de gás natural, bem como o gás que que é consumido em ambiente doméstico e industrial, e ainda as indústrias que estão ligadas a essa rede.

Por mais que pareça que o gás natural é um assunto tabu, o administrador da PRF garantiu que os seus clientes continuam com planos de investimento enormes nas infraestruturas de gás natural, por toda a Europa. E a razão é simples: cada vez que é construído um posto de abastecimento de gás natural para veículos, as empresas sabem que, num futuro muito próximo, essa mesma infraestrutura transportará gases renováveis. Portanto, é indubitável que este caminho é, também, fundamental para se atingir a neutralidade carbónica.

O gás natural não é passado. A descarbonização não se fará só com a eletrificação, far-se-á muito, também, com os gases renováveis.”

João Filipe Jesus, Head of NGV & Biomethane Business da Dourogás GNV, concordou com o cenário apresentado. Afirmou que, em Portugal, o biometano e o biogás têm sido os parentes pobres da narrativa da transição. Relembrou que, atualmente e desde setembro, há camiões pesados, de 40 toneladas, que fazem a distribuição alimentar de uma das principais cadeias de fast-food, a operar no país com gás 100% renovável, biometano, produzido através da biodigestão de resíduos.

As apostas da The Navigator Company na descarbonização

Óscar Arantes, diretor de Ambiente e Energia da The Navigator Company, clarificou a audiência e os colegas de painel sobre a atuação da empresa que representa no contexto da descarbonização. Estão atualmente a fazer a transição de alguma quantidade de fuel oil para gás natural, contando que a mesma estará completa durante o próximo ano. Durante esse processo, os equipamentos já ficam preparados para vir a incorporar quantidades crescentes de outros gases do gás natural.

A ação desenvolvida na organização, até agora, gerou uma redução de cerca de 30% das emissões de CO2 fóssil, relativamente a 2016. Além disso, a The NVG Company ganhou, recentemente, um projeto a nível europeu para a transformação dos seus fornos de cal, tipicamente usados nas fábricas de pasta, que funcionam a gás natural com alimentação por biomassa. Trata-se de um projeto inovador, apresentado em Bruxelas, que representa um investimento próximo dos 200 milhões de euros.

Em 2035, queremos ser neutros [The Navigator Company] nas nossas unidades industriais em gases com efeito de estuda. Neste momento, esse plano está em perfeito desenvolvimento.”

fiscalidade

Noutros projetos, ainda em aprovação, a The NVG pretende produzir bioetanol, a gasolina que é utilizada como produto químico para resolver “parte de um problema gravíssimo que ainda existe e subsiste”, que é o combustível para aviação. Sendo já sabido que os aviões não vão funcionar a baterias, e que o hidrogénio não será a melhor solução, esta é uma questão que permanece por resolver. Por isso mesmo, Óscar Arantes reforçou a relevância dos dois projetos que estão em cima da mesa e cujo objetivo é apresentar uma solução viável, até 2025, baseada na produção de combustíveis de síntese, para assegurar combustíveis para aviação.

Queremos dar um salto para os combustíveis de síntese, porque acreditamos que, no futuro, vai ser um negócio que vai ter que resolver os problemas da descarbonização.”

A economia e a fiscalidade portuguesas face à Energia

O crescimento económico é uma condição necessária, embora possa não ser suficiente, para que Portugal consiga ter um nível confortável de prosperidade e bem-estar social que lhe permita ser competitivo na Europa. Esta é a visão de João Filipe Jesus, que assinalou que o crescimento médio da economia portuguesa, nos últimos 20 anos, não passou os 0,5%; “somos o 4.º ou o 5.º país com menor performance”. A dívida pública é elevada, superior a 120% do PIB; o nível de produtividade está nos 64-65%, muito abaixo da média europeia; mas, em contrapartida, Portugal apresenta um nível de consumo, das empresas e das famílias, que é de 80% na média comunitária.

fiscalidade verde

Isso significa que compramos mais do que o nosso poder de compra permite e, também, que o nosso poder de compra consome mais do que aquilo que, efetivamente, o país produz e acrescenta à economia. Por consequência, estes factos impactam a arquitetura do sistema fiscal português, onde a carga fiscal é, hoje, superior a 1/3 do PIB nacional. Nas palavras de Filipe Jesus, esta é uma dinâmica que vai, de certa forma, “canibalizar a capacidade das empresas poderem investir e a capacidade das famílias poderem poupar”.

Se não tivermos uma política de salvaguarda dos ativos de gás natural, que têm uma elevada maturidade temporal e foram investimentos estruturais, não conseguiremos ter condições, económicas e tecnológicas, para que os gases renováveis possam ter uma presença mais acutilante.”

A questão que se coloca, levando em consideração as medidas europeias, é: como é que a nova diretiva das infraestruturas dos combustíveis alternativos vai acomodar o facto de existirem, na Europa, um conjunto relevante de infraestruturas de gás natural (para consumo doméstico, industrial e para a mobilidade) que tem que percorrer um caminho de adaptação à nova realidade dos gases renováveis e permitir, de forma custo-eficiente, a incorporação do H2 verde e o biometano?

Por outro lado, está também em revisão a Energy Taxaction Directive (ETD), que vai, de alguma forma, tentar calibrar a taxação da energia em função da carga de emissões poluentes que cada fonte energética emite para a economia e para a sociedade. Mas o representante da Dourogás relembrou que dessa mesma diretiva consta um artigo que permite que cada estado-membro possa arbitrar os níveis de taxação a aplicar, de forma diferente. Portugal seguiu a diretiva à risca, mas nem todos os países operam da mesma forma; Espanha e França tomaram as suas liberdades na interpretação desse artigo. É essa a causa do facto de Portugal taxar o gás natural veicular a 2,49€, enquanto em Espanha o mesmo é taxado a 1,15€.

A conclusão a que se chega é que o regime fiscal é muito pouco competitivo com os países vizinhos, nomeadamente Espanha e França. Filipe Jesus classificou-se como um “mecanismo de fiscalidade cinzenta, que persiste teimosamente desde há uns anos”. Toda esta lógica causa, na sua visão, um mecanismo forte de distorção no mercado que cria uma dificuldade de afirmação do gás natural e dos gases renováveis. 

As políticas são desenhadas a pensar num ciclo eleitoral e é necessário que o país se eleve e tenha a capacidade e o nível estratégico de ambição para implementar uma lógica de ciclo geracional. De outra forma, não será possível existir uma fiscalidade verde, que combine a competitividade económica com a sustentabilidade ambiental.

Você pode estar interessado
Gracias por tu participación
Comparte el manifiesto y contribuye a impulsar la innovación entre empresas, organizaciones y directivos.
Agora você está vendo o conteúdo de APD zona centro.
Se desejar, pode aceder ao conteúdo adaptado à sua área geográfica