Há poucos dias atrás, alguém cuja opinião muito respeito, referiu que o tempo atual é de recalibrar.
Fiquei com esta palavra na cabeça, porque me pareceu uma boa síntese de muitas das minhas preocupações neste período de crise: recalibrar é, por definição, voltar a afinar, isto é, dar novamente o calibre adequado a algo, verificar mais uma vez o funcionamento de um instrumento, de modo a ajustar (de novo) as suas especificações de acordo com um determinado padrão pretendido. É voltar a dar a pressão conveniente a algo.
o período atual requer às organizações que olhem bem para dentro de si mesmas, dos seus processos internos e das suas metodologias de funcionamento, dando voz às suas pessoas
Com efeito, nas últimas semanas tenho sentido muito essa necessidade, porque eu próprio – e tal como quase todos nós – tive de reajustar muita coisa no meu dia-a-dia, desde logo ao nível pessoal e da gestão familiar, em particular. Este processo de recalibragem pessoal e familiar é sempre complexo, embora seja tanto mais facilitado quanto mais e mais abertamente for conversado e discutido dentro do núcleo familiar mais próximo.
Por outro lado, o atual momento de confinamento social veio trazer toda uma nova dimensão às relações sociais e de amizade com aqueles de quem gostamos mas que, frequentemente, no rebuliço de vidas tão ocupadas, vão ficando em segundo plano na nossa lista de contactos do telemóvel. Na verdade, este é um aspeto positivo, porque de repente sentimos a necessidade de contactar (nas suas mais diversas formas virtuais e tecnológicas) com muitas dessas pessoas. Parece-me, ou pelo menos quero acreditar, que recalibrámos nas nossas vidas a importância de muitas pessoas que mereciam um papel mais ativo e mais presente, porque nos querem bem e porque lhes desejamos o mesmo.
Noutra vertente, sinto a minha fé recalibrada. Isto é sempre algo muito íntimo de cada um, mas eu que sempre vivi esta dimensão (e digo-o em sentido lato, enquanto conjunto ou compromisso de convicções) de forma ativa, sinto-a agora mais esclarecida, ainda que não necessariamente mais satisfeito com aquele a quem professo, porque há muitas coisas neste momento de crise que me custam aceitar à luz da minha crença.
o atual momento de confinamento social veio trazer toda uma nova dimensão às relações sociais e de amizade com aqueles de quem gostamos mas que, frequentemente, no rebuliço de vidas tão ocupadas
Não obstante, a minha fé está renovada, enquanto motor de esperança de que dias melhores virão para todos. E essa esperança gera motivação e resiliência para caminhar nesse sentido, o que me parece profundamente positivo para mim e para os que comigo convivem.
Por último, mas não menos importante, é sabido que as empresas tiveram de se recalibrar de forma muito extensiva, muitas vezes a grande custo presente e futuro. Neste aspeto, e por tudo quanto acima refiro, entendo que uma comunicação aberta e clara dentro das organizações é chave para o envolvimento de todas as suas pessoas e para trazê-las a serem parte da solução, em vez de se fecharem em dúvidas, incertezas, inseguranças.
É óbvio que as empresas e as suas pessoas já têm sofrido muito nos últimos tempos mas, infelizmente, os problemas ainda estão longe de terem terminado e os desafios futuros serão tão ou mais exigentes do que os atuais.
Nesta medida, o período atual requer às organizações que olhem bem para dentro de si mesmas, dos seus processos internos e das suas metodologias de funcionamento, dando voz às suas pessoas para que percebam que problemas difíceis exigem decisões imperfeitas, mas também para que partilhem os seus contributos e conhecimentos para bem de um futuro que, mais ou menos próximo, terá de ser melhor do que o presente.
Assim, e em jeito de conclusão, insisto na palavra que deu o mote a esta partilha, de modo a olhar para ela mais uma vez e incuti-la ainda mais nos meus pensamentos e na minha forma de atuar: recalibrar é necessário. E hoje (não amanhã ou depois) mais do que nunca.
